Em sua despedida do Congresso Nacional, o senador Flávio Dino (PSB-MA) sugeriu nesta terça-feira (20) que poderá voltar a disputar cargos eletivos depois que completar 75 anos e for obrigado a deixar o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2043.
Dino toma posse no STF na próxima quinta-feira, em uma cerimônia na qual são esperados os chefes dos três poderes, inclusive o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, responsável pela sua indicação. A primeira suplente do senador é Ana Paula Lobato (PSB-MA), que agora assume como titular do mandato, que vai até 2031.
“Não sei se Deus me dará oportunidade de estar novamente na tribuna do Parlamento, no Senado ou na Câmara. Eu tenho me animado muito, acompanhado a eleição dos Estados Unidos, porque os dois contendores têm cerca de 80 anos”, disse Dino, da tribuna do Senado, em referência às idades dos candidatos que vão disputar a Casa Branca este ano.
O democrata Joe Biden tem 81 anos, e o seu principal adversário, o republicano Donald Trump, 77. Flávio Dino tem 55 anos.
“Então, quem sabe, após a aposentadoria, em algum momento, se Deus me der vida e saúde, eu possa aqui estar”, concluiu Dino.
Ao falar da tribuna, Flávio Dino manifestou sua “profissão de fé” na política, à qual se dedicou ao longo de 18 anos. Ele defendeu a fidelidade em torno dos princípios constitucionais da presunção de inocência, especialmente na aplicação do direito penal; a presunção da legalidade dos atos administrativos; e a presunção de constitucionalidade das leis elaboradas pelo Congresso Nacional.
Dino reiterou ainda “total confiança e total crença de que não há bom caminho para o Brasil fora da política”.
Nós precisamos de uma política forte e só teremos uma política forte com políticos credenciados a exercer a liderança que o Brasil exige. Nós precisamos retomar a ideia de deveres patrióticos, deveres cívicos; nós não podemos sucumbir à espetacularização da política. Um bom líder político jamais pode ser um mero artefato midiático submetido à lógica dos algoritmos. O bom líder político tem que ter causas que definam o seu lugar, porque se ele for um mero artefato midiático, se for submetido exclusivamente à lógica das redes, é claro que ele não estará exercendo o papel de liderança necessário à construção do futuro. Nós precisamos ter causas para ter identidade”, afirmou.
Dino disse que assumirá a função de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), mantendo diálogo com a políticos. Segundo Dino, “não há um bom caminho para o Brasil” sem a contribuição dos poderes constituídos. Ele deixa o cargo eletivo no parlamento nesta terça-feira, 20, para assumir uma cadeira no STF na quinta-feira, 22.
“Podem ter certeza da minha mais absoluta deferência aos poderes políticos do Estado. E essa deferência se manifestando, inclusive e sobretudo, pela capacidade de ouvir, de promover o bom diálogo institucional, para que nós possamos encontrar o modo pelo qual a harmonia entre os poderes vai se concretizar, ” disse o ex-ministro da Justiça do governo Lula.
“Nós precisamos de uma política forte e nós só teremos uma política forte com políticos credenciados a exercer a liderança que o Brasil exige. Nós precisamos retomar a ideia de deveres, deveres patrióticos, deveres cívicos. Nós não podemos sucumbir à espetacularização da política”, disse Flávio Dino. “Um bom líder político jamais pode ser um mero artefato midiático submetido à lógica dos algoritmos. Um bom líder político tem que ter causas”.
Em sua fala, que chamou de “profissão de fé na política”, o ex-ministro do governo Lula agradeceu aos outros senadores pelo “convívio cordial”, e animou os pares a cumprir seus deveres. “O político é essencial, porque ele é o único técnico especialista em democracia”.
Dino ainda disse que como ministro do STF, manterá uma relação de diálogo, independência e harmonia com o Congresso Nacional. “Fiz questão desta profissão de fé, para dizer as senhoras e aos senhores, que no Supremo Tribunal Federal, onde estarei nas próximas 48h, terei coerência. Coerência com essa visão que aqui manifesto. Os senhores podem ter certeza da minha mais absoluta deferência aos poderes políticos do Estado”.
O senador prometeu agir com isenção no STF. “Esperem de mim imparcialidade e isenção. Esperem de mim fiel cumprimento da Constituição e da Lei. Nunca esperem de mim prevaricação. Nunca esperem de mim não cumprir os meus deveres legais”, disse.
Flávio Dino agradeceu pelo “convívio cordial” no período em que foi senador e encerrou dizendo que espera manter “diálogo institucionalmente cabível em temas de interesse nacional, sempre com plena observância à independência e harmonia entre os Poderes.” “Eu quero reiterar três compromissos fundamentais aqui. Agir no Supremo com respeito à presunção e à constitucionalidade das leis. Agir no Supremo com respeito à presunção da legalidade dos atos administrativos. E agir no Supremo com o princípio da presunção de inocência. São três pilares axiológicos fundamentais que estou aqui reiterando perante a nação brasileira por essa casa representativa”, afirmou Dino no discurso de despedida.
“Eu estou indo para outra arena pública, para outro espaço de atuação, mas nunca esqueçamos que a lógica do equilíbrio funcional entre os três Poderes depende da atuação concertada e do que se passa em cada um deles, não de modo isolado, mas, sim, em um equilíbrio dinâmico que seja objeto de constante ajustamento e diálogo. Quem são os maiores proponentes de ações diretas de inconstitucionalidade? São os partidos políticos, que levam ao Supremo, como se fosse uma terceira Casa legislativa, temas que foram deliberados no Parlamento, e isso está se dando desde 1989, não é de agora. Portanto, quando o Supremo Tribunal Federal decide uma demanda proposta por um partido, ele está cumprindo um dever de responder uma demanda vinda exatamente da política, e é, portanto, fundamental que nós consigamos enxergar que essa transferência de decisões para outros âmbitos não se dá por uma apropriação unilateral deles e, sim, muitas vezes, em razão de fenômenos mais amplos”, declarou.
Um eventual retorno de Dino à arena política não seria um movimento inédito na história do Supremo. O jurista paraibano Epitácio Pessoa foi ministro do STF entre 1902 e 1912 – e acabou eleito depois para a presidência da República, cargo que exerceu entre 1919 e 1922.
Senadores bolsonaristas, como Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS), assistiram ao discurso de Flávio Dino com atenção. Mourão cumprimentou o futuro magistrado ao final, mas Flávio evitou contato com o ex-ministro de Lula.
Sergio Moro (União Brasil-PR) também evitou cumprimentar o colega no momento em que Dino deixou o plenário e foi abraçado por parlamentares.
Apartes
Em apartes, diversos senadores e senadoras manifestaram apreço pela atuação política de Flávio Dino.
Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco ressaltou “muitas qualidades que Flávio Dino ostenta, entre elas a inteligência na política” e disse que ele “engrandecerá o Poder Judiciário brasileiro”:
— De todos os atributos e predicados de Vossa Excelência, que são muitos e eu já testemunhei alguns, a sua inteligência é muito especial e muito singular. Já emprestou sua inteligência ao povo do Maranhão, ao Parlamento brasileiro, na Câmara dos Deputados e no Senado, ao Ministério da Justiça, como governador duas vezes de seu estado, e agora vai para uma missão das mais nobres e mais importantes do Brasil, de nossa República, que é ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal. E Vossa Excelência novamente vai cuidar de entregar essa sua inteligência para de fazer justiça nos muitos casos que lhe chegarão no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) afirmou que Flávio Dino é um “orgulho do Maranhão” e que sua trajetória política sempre teve como premissa fundamental o princípio do cristianismo e do amor ao próximo, um homem cristão e de família que instaurou um modelo exemplar e correto de gestão pública em favor da segurança no Maranhão e atuou em defesa da democracia.
Relator da indicação de Flávio Dino para o STF, o senador Weverton (PDT-MA) afirmou que Flávio Dino “tem uma coisa chamada honestidade de propósito, principalmente no momento difícil no Brasil, com a polarização que estamos vivendo”. Ele ressaltou que o ex-ministro da Justiça tem muito a contribuir com o Brasil em sua atuação no STF.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) destacou que Flávio Dino recebeu recentemente o título de cidadão amazonense e classificou o futuro ministro do STF como um “homem público, um grande brasileiro e grande ser humano”. Ele ressaltou que a trajetória pública de Dino teve início como juiz federal no Maranhão, após ter sido aprovado em primeiro lugar em concurso público em 1994, tendo sido depois eleito deputado federal, governador do Maranhão por dois mandatos até chegar ao Senado com votação histórica. Destacou ainda que Flávio Dino foi ministro da Justiça “em momento crucial da história brasileira, na qual a democracia venceu mais um teste ao suportar e superar mais uma ameaça de golpe”.
A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) falou da surpresa em conhecer Flávio Dino e da cultura e capacidade do futuro ministro do STF.
— Diziam-me, todos dizem, “Flávio Dino é um comunista”. Os contrassensos da vida… Isso é para mostrar aos brasileiros que eles precisam olhar, analisar e julgar menos. Primeiro, eu encontro um comunista extremamente cristão e católico. E aí eu encontro um comunista conservador, conservador da democracia, porque o verdadeiro conservadorismo é o conservadorismo institucional. Mais uma lição para todos nós, brasileiros. Nós devemos estudar. Boa sorte na sua vida. Eu tenho certeza que serás digno, justo, imparcial, honesto, probo, enfim, competência tem bastante — afirmou.
Líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (PT-ES) disse que Flávio Dino é um dos que inspiram muitas outras pessoas, incluindo muitos jovens.
— É preciso falar para a população brasileira que temos que parar de criminalizar a política. A política é o único meio para transformar a vida das pessoas. Apenas através da política é que podemos dar vez e voz a todos os princípios e garantias que estão expressos na Constituição federal. E Vossa Excelência, com maestria, desempenha as virtudes de um homem estóico — afirmou.
A senadora Teresa Leitão (PT-PE) adiantou que Flávio Dino receberá em breve o título de cidadão pernambucano e que o STF ganhará muito “com sua posição sempre lúcida, dura, sem perder a ternura”.
A senadora Margareth Buzetti (PSD-MT) defendeu a harmonia entre os Poderes e destacou que Flávio Dino é o primeiro senador em três décadas a assumir uma cadeira no STF, ao qual “chega em um momento em que a sociedade não compactua com muitos posicionamentos do tribunal”.
Flávio Dino também foi saudado pelos senadores Augusta Brito (PT-CE), Jorge Kajuru (PSB-GO), Omar Aziz (PSD-AM) e Sérgio Petecão (PSD-AC).
Projetos no Senado
O primeiro projeto de lei apresentado por Flávio Dino no Senado foi o PL 14/2024, que proíbe a instalação de acampamentos próximos a quartéis e áreas militares. O texto altera o Decreto-Lei 3.437, de 1941, que disciplina o uso do espaço ao redor de fortificações e organizações militares. A proposta define um raio de 1.320 metros, a contar dos muros dos quartéis, onde não serão permitidos acampamentos e manifestações antidemocráticas. Serão observados protocolos específicos de segurança com vistas à prevenção e repressão contra crimes atentatórios ao Estado democrático de direito e suas instituições, afirma o texto. Caberá ao Executivo, instituir esses protocolos por decreto.
Flávio Dino também apresentou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2024, para que juízes, promotores e militares que cometerem delitos graves sejam excluídos do serviço público. Na prática, a PEC acaba com a aposentadoria compulsória e a pensão por morte ficta ou presumida, sanções aplicadas a esses servidores em caso de delitos graves e que permite a eles manter os salários que recebem do serviço público, mesmo afastados de suas funções. Flávio Dino disse querer que a proposta, ao lado de outras matérias apresentadas por ele, seja um marco de sua passagem pelo Senado.
Ele considera inadequado adotar como sanção a aposentadoria compulsória ou a pensão por morte ficta para servidor que tenha cometido conduta grave que “acarrete alto grau de desmoralização do serviço público e perda da confiança nas instituições públicas”. A morte ficta é a equiparação do militar expulso com o militar falecido, em que a esposa segue recebendo o pagamento em forma de pensão. O senador argumenta que a punição, em virtude da supremacia do interesse público e da moralidade que deve permear as instituições públicas, precisa alcançar todos os agentes públicos, inclusive aqueles a quem seja assegurada a vitaliciedade. Na opinião de Dino, não há vitaliciedade que se sobreponha à moralidade administrativa. Segundo o senador, não há razão para essa desigualdade de tratamento em relação aos demais servidores públicos que praticam crimes como corrupção, por exemplo, ou de gravidade similar.
Flávio Dino é autor ainda do PL 285/2024, para tornar obrigatória a utilização de câmeras nos fardamentos dos profissionais de segurança privada; do PL 226/2024, que estabelece critérios objetivos para o juiz decidir sobre a periculosidade de pessoas sujeitas à prisão preventiva; e do PL 16/2024, que propõe o reconhecimento do Estado brasileiro aos policiais que desempenham um “bom trabalho” na segurança pública do país.
Ele também apresentou o PL 286/2024, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita, para fortalecimento das bibliotecas públicas e dos bibliotecários; e o PL 287/2024, que dispõe sobre a Estratégia Nacional de Controle e Avaliação da Qualidade da Assistência à Saúde prestada pela Iniciativa Privada.
Todas as proposições estão em tramitação no Senado.